Por Noelia Brito
Uma das características da política
fiscal da gestão de Eduardo Campos, à frente do governo de Pernambuco
foi, sem sombra de dúvidas, a prodigalidade com que ele e seu secretário
da Fazenda, Paulo Câmara, hoje candidato de seu Partido, o PSB, a
sucedê-lo, distribuíram benesses tributárias para grandes empresas.
Seriam contrapartidas estatais para que essas empresas gerassem empregos
e investissem em Pernambuco.
Foi assim, por exemplo, que em 2010,
Eduardo Campos ampliou de 75% para 85%, o desconto do ICMS a ser pago
pelo Grupo Schincariol, no Estado. Quando essa renúncia de receita foi
ampliada, toda a diretoria do grupo e vários representantes da empresa,
inclusive aqui de Pernambuco, já haviam sido presos e denunciados pelo
Ministério Público Federal, por formação de quadrilha e outros crimes
contra o sistema financeiro e tributário, em decorrência de uma Operação
da Polícia Federal, a que se deu o sugestivo nome de “Cevada”, Operação
esta, por sinal, considerada, até hoje, a maior já realizada por
Receita e Polícia Federal de combate à sonegação. O processo criminal,
iniciado em 2005, ainda se arrasta na Seção Judiciária do Rio de
Janeiro, mais precisamente, na 1ª Vara Federal de Itaboraí, sob o número
0000650-84.2005.4.02.5107.
Mas o que causa espécie é que mesmo após
os favores fiscais de Estados como Pernambuco terem sido indicados
pelas investigações da Polícia Federal e da própria Receita Federal,
como artifícios utilizados por diretores e representantes da
Schincariol, para cometer crimes contra o sistema tributário e
financeiro, em um esquema que sonegou nada menos que R$ 1 bilhão dos
cofres públicos, em vez de uma revisão, de uma auditoria nesses
benefícios, de autuações, o governo de Pernambuco, durante a gestão de
Eduardo Campos, resolveu foi ampliá-los, como a premiar os malfeitores.
Para se ter uma ideia da gravidade
dessas concessões, segundo o inquérito da PF que deu origem à Ação Penal
nº 0000650-84.2005.4.02.5107, caminhões de distribuidores utilizavam
“placas frias”, combinadas com notas fiscais também “frias”, que eram
utilizadas pelo grupo para indicar a venda de produtos para Estados com
vantagens fiscais quando, na verdade, eram dirigidas a locais com
tributação mais alta. Além disso, as notas fiscais “frias” eram emitidas
por empresas de fachada, sendo comum o uso da mesma nota mais de uma
vez, com vendas subfaturadas ou sem sequer emissão de notas, sem falar
nas exportações fictícias ou com declarações falsas de conteúdo.
Há de se questionar o porquê de se
trazer à tona um caso de crimes ocorridos já há alguns anos. Ora, embora
ocorrido há alguns anos, os crimes ainda estão sendo processados pela
Justiça Federal, mas para além disso, o que nos importa é saber que as
consequências financeiras desses crimes e do prêmio que foi dado aos
criminosos, pelo governo de Pernambuco, qual seja, as benesses fiscais,
continuam sendo arcados pelo povo de nosso Estado, pois todos os
tributos sonegados pela Schincariol e todos os tributos dessa
dispensados, mesmo após e apesar de toda a sonegação de que está sendo
acusada, jamais foram objeto de questionamento e, portanto, não
reverterão em benefício de Pernambuco se esse quadro de omissão
continuar. Além disso, se para o caso Pasadena, ocorrido também há anos,
o governador Eduardo Campos não viu problemas em mandar que seus
senadores assinassem um pedido de CPI para investigá-lo, por coerência,
não verá problemas em se questionar e até em se pedir uma investigação
para fatos ocorridos em sua gestão, até posteriores a Pasadena, como é o
caso, por exemplo, dos benefícios fiscais dados à Schincariol e a
várias outras empresas durante seu governo, se se vislumbra prejuízos
para o Erário e para o povo pernambucano. Além disso, não deixa de ser
intrigante o fato de que a Prestação de Contas do PSB, partido do
ex-governador Eduardo Campos, disponível no site do TSE
(http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-doacoes-recebidas-do-partido-politico-psb-2012),
revela que a mesma Schincariol, beneficiária dos favores fiscais antes
referidos, doou, para a campanha dos candidatos do PSB, em 2012, nada
menos que R$ 1 milhão.
Tomando a benesse fiscal dada ao Grupo
Schincariol como paradigma, impossível não refletir sobre toda a
política de benefícios fiscais graciosamente distribuídos pelo governo
Eduardo Campos, durante esses longos sete anos e três meses em que
esteve à frente do Palácio do Campo das Princesas, daí porque não é de
causar qualquer surpresa que se queira passar a limpo tais benesses que
trarão consequências preocupantes para as contas estaduais, pelos
próximos 20 ou 30 anos, pelo menos, ainda mais depois de sabermos que o
governo Eduardo Campos deixou Pernambuco com o maior nível de
endividamento dentre todos os Estados da Federação.
Outro fato que nos chama por demais a
atenção é que o mesmo desprendimento que o governo Eduardo Campos
demonstrou ter com o alto empresariado e com prefeitos que não fizeram o
dever de casa na arrecadação de suas receitas próprias, não demonstrou
ter para com o povo sofrido de nosso estado. É que revelando-se
verdadeiro Robin Hood, às avessas, ao mesmo tempo em que concedia
isenções e descontos sem fim nas alíquotas dos impostos para grandes
empresas, mandava sua equipe de notáveis tributaristas bolarem formas de
o Estado se apropriar dos descontos que o governo federal concedia aos
consumidores em geral, nas contas de energia elétrica, de modo a
compensar as perdas que o Tesouro Estadual passou a ter com os agrados
tributários que seu governo se acostumou a criar sistematicamente para
atrair o empresariado para o Estado.
Todos lembram quando a presidenta Dilma
determinou, através de uma Medida Provisória, já convertida na Lei nº
12.783/2013, a redução da tarifa de energia elétrica. A partir dessa
decisão da presidenta, a ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica,
promoveu uma revisão tarifária para as 64 concessionárias de serviço
público de energia elétrica, que passou a viger a partir de 24/01/2013.
Para a CELPE, a redução da tarifa foi da ordem de 18,4%. Assim, a partir
de 24/01/2013, o MW/h cobrado da CELPE foi reduzido de R$ 361,32 para
R$ 296,15.
Onde consistiu a esperteza do governo
Eduardo e de seu secretário Paulo Câmara que lhe deu assessoria nisso?
Para compensar os benefícios fiscais dados a empresas como a
Schincariol, em vez de fazerem incidir o ICMS sobre a tarifa com o valor
reduzido, ou seja, R$ 296,15/MWh, continuaram cobrando ICMS sobre o
valor antigo de R$ 361,32/MWh, o que foi garantido através da expedição
do Decreto Estadual nº 39.459, do governador Eduardo Campos. Embora o
Decreto de Eduardo tenha sido publicado somente no dia 05/06/2013, ele e
seu secretário Paulo Câmara ainda deram um jeito de fazer retroagir o
tal decreto, para que surtisse efeitos desde 24/01/2013, ou seja, desde o
primeiro dia em que a redução da tarifa começou a valer.
Assim, em vez de ser cobrado o ICMS
sobre o valor real da tarifa, o governo Eduardo Campos passou a cobrá-lo
sobre um valor fictício, o que lhe rendeu milhões a mais, por mês, de
ICMS e que foram, portanto, cobrados indevidamente na conta de luz dos
pernambucanos. Eduardo Campos e Paulo Câmara oneraram o bolso do povo
pernambucano, via ICMS indevido sobre a conta de luz, ao mesmo tempo em
que concediam todo tipo de benefícios fiscais a grandes empresas,
inclusive multinacionais.
Com a cobrança indevida do ICMS sobre a
conta de energia elétrica, o governo Eduardo Campos fez caixa para
compensar, de forma perversa, parte da renúncia de receita desmesurada
que tem sido a tônica de seu modo de gerir as contas públicas. Ocorre
que essa cobrança já é objeto de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, ajuizada pelo Partido Progressista, no último dia
26/03/2014 e que está sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, sob o
nº ADI 5101.
Os argumentos da ação são sólidos e tudo
indica que será julgada procedente porque como bem ponderaram os
advogados que prepararam a ação, o decreto estadual violou o princípio
da legalidade estabelecido pelo inciso I do artigo 150 da Constituição
Federal, que veda a exigência ou o aumento de tributo sem lei que o
estabeleça. Reportam-se, para tanto, ao parágrafo 1º do artigo 97 do
Código Tributário Nacional, que equipara à majoração de tributo a
modificação de sua base de cálculo, de maneira a torná-lo mais oneroso.
Alega, ainda, que o decreto de Eduardo Campos, ao estabelecer a cobrança
retroativa do ICMS a janeiro de 2013, viola a alínea “a” do inciso III
do artigo 150 da Constituição, que veda a incidência de imposto em
relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei
que os houver instituído ou aumentado. Sustentam, também que, ao incluir
a subvenção econômica concedida pela União na base de cálculo do ICMS, o
decreto viola o inciso II do caput e o parágrafo 3º do artigo 155 da
Constituição Federal, uma vez que incide sobre valor que não representa
circulação de mercadoria.
Quando ministro do STJ, o hoje ministro
do Supremo, Teori Albino Zavascki, que certamente participará do
julgamento da ADI 5101, já havia se manifestado no sentido de que para
efeito de incidência de ICMS, a legislação considera a energia elétrica
uma mercadoria, não um serviço e que o ICMS não é imposto incidente
sobre tráfico jurídico. É um tributo cujo fato gerador supõe efetivo
consumo de energia. A par disso, tem-se por reforçados os argumentos
postos na ação do Partido Progressista contra a tributação feita pelo
Estado de Pernambuco, sobre valor fictício, porque não correspondente ao
efetivamente consumido.
Vê-se, pois, que esses valores que têm
sido usurpados do povo de Pernambuco para cobrir buracos causados por
benesses dadas a empresários, logo mais terão que ser ressarcidos a quem
de direito, aumentando-se o abismo fiscal em que o ex-governador deixou
nosso Estado mergulhado.
O ex-governador Eduardo Campos
distribuiu, só no ano passado, R$ 238 milhões aos municípios do
interior, através do Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento
Municipal, o FEM, a pretexto de repor perdas desses municípios com a
redução do FPM. O FEM, aliás, foi criado três meses após a presidenta
Dilma efetivar a redução da tarifa de energia elétrica, para a população
em geral. Onde o ex-governador Eduardo Campos e seu então secretário da
Fazenda, Paulo Câmara foram buscar recursos para dar aos prefeitos, a
quem queriam agradar em ano pré-eleitoral, se para agradar empresários
abriram mão de arrecadar impostos? Foram buscar no bolso do cidadão
pernambucano, é claro! Através de uma jogada bastante inteligente, isso
não se pode negar, expedindo o malfadado decreto pelo qual gerou a
cobrança indevida do ICMS contra os consumidores de energia elétrica
servindo para cobrir parte significativa dos repasses do FEM para os
prefeitos.
De um só golpe e de maneira praticamente
imperceptível a olho nu, Eduardo Campos desferiu dois golpes contra sua
adversária e ex-aliada, a presidenta Dilma Rousseff. Fez parecer que o
desconto que deu nas contas de energia elétrica não passava de falácia,
porque ao ser corroído pelo ICMS por ele cobrado indevidamente, passou
desapercebido pelos bolsos dos pernambucanos e ainda utilizou a receita
arrecadada com a cobrança indevida desse imposto para fazer agrados a
prefeitos aliados, a quem incita a fazer manifestações de repúdio à
presidenta, através de uma entidade chamada AMUPE, comandada por um
aliado seu.
A Eduardo Campos, como a qualquer
pessoa, é permitido ter projetos pessoais de poder, o que não é
permitido a ninguém, inclusive ao ex-governador, muito embora este
pareça ter se colocado numa posição de iluminado, de escolhido, é
sacrificar o futuro de um povo, de um Estado, em função desse projeto
pessoal. Muito foi feito em Pernambuco visando única e exclusivamente o
projeto personalista do hoje ex-governador Eduardo Campos e o que é mais
grave, sem que as consequências para o Estado fossem devidamente
medidas. É chegada a hora, porque essa hora sempre chega para todo
governante, de prestar contas e há muitos dispostos a cobrá-las.
Noelia Brito é advogada e procuradora do Município do Recife
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